quarta-feira, 22 de julho de 2009

Entrevista com o artista Frans Krajcberg publicada em 22/7/2009

Fonte: http://planetasustentavel.abril.com.br/noticia/cultura/conteudo_416780.shtml?func=1&pag=1&fnt=9pt

Como a arte pode servir à ecologia?

A arte, como a conhecemos hoje, é feita para o mercado. Não se fala mais em estilo, linguagem, mas apenas em valor. Então, penso que precisamos enxergar uma nova realidade. As artes plásticas nem sequer abriram a porta para o século 21. É missão da arte acompanhar a evolução do homem. O que temos hoje? Uma revolução tecnocientífica, um vazio político absoluto e, pela primeira vez na história, uma preocupação com a saúde do planeta. Esse é um tema urgente do século 21, mas até agora esquecido pela arte. A única linguagem sintonizada com ele é a fotografia, justo ela que, por décadas, foi considerada arte menor. É a fotografia que está nos apresentando a degradação ambiental da Terra. É algo que o cinema, por exemplo, não fez. Nem a pintura. O fim do século 20 foi escandaloso. Em termos de destruição do ambiente em si ou da postura omissa da arte diante do tema? No século 20, a arte não acompanhou a barbaridade praticada pelo homem contra o homem. Apenas um grande artista, com uma grande obra, retratou a Segunda Guerra Mundial: Picasso, com Guernica. Só. É escandaloso notar como o mercado dominou e conteve toda a expressão artística.

De que maneira a arte pode servir à conservação ambiental ou a outros temas contemporâneos? Para isso, ela deve necessariamente chocar?

A arte não precisa chocar, e sim acompanhar a evolução do homem, das questões que nos cercam. Se ela não se preocupa em acompanhar o homem, está apenas servindo ao comércio. Meu desejo, porém, sempre foi fugir do homem. Eu não suportava mais viver depois da guerra. Foi muito brutal para mim. Fiquei sozinho no mundo. Toda a minha família foi morta. Não tenho parente, não tenho ninguém. Como oficial do Exército, lutei durante quatro anos e meio. Quando cheguei à Polônia com o Exército russo, libertei um campo de concentração cheio de húngaros. Entrando no campo, vi três montanhas de lixo: eram homens empilhados para serem queimados no crematório. Depois, viajando pela Amazônia no alto rio Juruena, no Mato Grosso, observei nuvens de urubus. Aproximei-me com o barco, entrei na : oresta, fechei os olhos e fiz uma foto. Eu jamais havia visto cena tão bárbara: seis índios pendurados numa árvore, com centenas de urubus ao redor. Fiz a foto com os olhos fechados. Então, com tudo isso que aconteceu diante de mim, que tipo de arte me resta fazer? Pintar flores para senhoras? Ou mostrar essa barbaridade, essa destruição, de modo a alertar sobre a salvação de uma floresta, a Amazônia, de que o planeta tanto precisa? Ela está sendo destruída como fizeram com a Mata Atlântica.

O que mais lhe atrai na Mata Atlântica?

A mata fechada tem galhos bonitos, retorcidos, formas variadas. Tanta riqueza me ajuda a ver a escultura, antes mesmo de eu a esculpir. A floresta mais linda do planeta é a Mata Atlântica do sul da Bahia, do Espírito Santo e um pedaço de Minas Gerais. São pequenas porções de uma floresta única, hoje vitimada pelo fogo, cercada de plantações de eucalipto. O mundo discute a falta de água. Mas, quanto mais eucalipto se planta, menos água o mundo vai ter. Não há mais diversidade de árvores na Bahia. A cada dia diminui a Mata Atlântica baiana. É por isso também que eu quero ir embora de Nova Viçosa, que se tornou um lugar insuportável. Fui envenenado pela cozinheira e, quando vim me tratar em São Paulo, me roubaram tudo no sítio. Os ladrões continuam livres. A polícia de lá não me defende.

O senhor extrai beleza daquilo que parece morto, acabado. É como se nos dissesse que é possível renascer, sempre. No futuro, essa será a grande mensagem de sua obra?

Como posso gritar? Se grito na rua, vão me levar ao hospital como doido. Eu gostaria de mostrar uma fotografia com as três montanhas de corpos dos campos de concentração, mas não tenho essa foto, ou botar a imagem da árvore com os índios nessa exposição que fiz em São Paulo. Mas isso não consigo. Então, eu trouxe comigo pedaços de árvore, que o fogo deixou, unidos em escultura. É o único grito que posso dar, para mostrar minha revolta contra uma sociedade que só sabe exibir a brutalidade do homem com a vida. Está na hora de parar com isso.

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